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a world in a grain of sand

um mundo num grão de areia

a world in a grain of sand

um mundo num grão de areia

Deixa a vida me levar

Sofia
18
Ago20

Tenho andado a mil à hora. Voltei a andar de transportes e a ir ao escritório. Nesse aspecto, estou feliz, mesmo sabendo que o bicho anda à solta e que corro mais riscos agora.

Soube-me bem voltar a uma espécie de rotina. Abrir o armário e decidir a roupa que vou usar, planear ainda mais as refeições, passear no parque à hora de almoço, ir a pé do trabalho até ao Rossio e ver que a cidade continua bela e apaixonante... (Só tenho falta de escolher o batom que ia usar...)

Nestes aspectos, o regresso ao escritório tem sido revigorante. No entanto, houve algumas alterações no meu trabalho e ainda estou a tentar perceber tudo. Passei para o piso do centro de contactos (call center, para que me entendam mais facilmente). Não é nada de estranho, porque sempre trabalhei na área, mas foi tudo tão rápido que ainda nem assimilei bem a mudança. Parece-me que vou continuar mais ou menos com as mesmas funções (e fico feliz por não ir atender chamadas, ainda que esta linha de apoio pareça muito mais soft do que outra por onde passei). Vou deixar de fazer umas coisas e passo a fazer outras, mas o principal parece que se mantém. Ainda estou a perceber o que vai ser a minha vida daqui para a frente! O ambiente é outro e vou conhecer novos colegas com quem já falei por telefone, email e Teams... Gosto de conhecer novas pessoas, mas vou sentir falta dos colegas do meu antigo piso. Como estamos no mesmo edifício, havemos de nos encontrar (quando não estivermos em casa). Vou aprender coisas novas e isso é o melhor! Adoro aprender coisas novas e odeio estar sempre a fazer o mesmo. Poder ter margem para crescer e fazer outras coisas é bom. Agora, tenho de dizer: VOU MORRER DE SAUDADES DA MINHA ANTIGA SECRETÁRIA!!! Acho que as secretárias deste centro de contactos até são muito jeitosas comparadas com outras que tive noutros sítios, mas nada se pode comparar à minha antiga secretária. Lembro-me do primeiro dia... Cheguei ao 10.º piso e disseram-me "É aqui que vais trabalhar." e apresentaram-me à colega que eu ia substituir. Ela disse-me que eu devia ficar depois naquela secretária quando ela se fosse embora. Luz natural a entrar pelas janelas e uma secretária quase do tamanho da minha mesa da sala, que mais poderia eu querer? Dei comigo a pensar "Acho que só por isto já valeu a pena ter aceitado o desafio da mudança." São pequenos pormenores que podem fazer o nosso dia-a-dia melhor... Ainda assim, apesar de gostar imenso daquela secretária, nunca fiz dela a minha segunda casa. Ao contrário da colega que substituí, não enchi as gavetas com canecas, não tinha imagens bonitas de decoração ou fotos... Para mim é sempre tudo um sítio de passagem e de aprendizagem e se há coisa que aprendi quando comecei a trabalhar é que vivemos num tempo em que não há empregos para a vida. Já que conheci várias colegas com uns 20 anos de casa, podia ter tentado contrariar essa ideia e fazer da secretária uma segunda casa, pensando "vou ficar aqui para sempre", mas não o fiz nem o quis fazer. Tenho de ser sincera, se o fizesse estaria também a contrariar a minha maneira de ser. Gosto de evoluir e tenho de sentir que isso pode acontecer no meu trabalho, caso contrário canso-me e levo os dias mergulhada na angústia e na desmotivação. Inicio uma nova etapa na minha vida profissional e só espero que seja boa!

Zeca Pagodinho - Deixa a Vida Me Levar

Voz de adolescente

Sofia
15
Ago20

aqui escrevi que a minha relação com a escrita foi em tempos muito conturbada e que muito do que escrevi no passado desapareceu (foi para o lixo - reciclagem - ou para lareira, quando estava armada em drama queen).

Desses tempos e escritos, restam-me apenas memórias. Ontem, tentei recuperar pequenas coisas que escrevi e que a minha boa memória decidiu reter (acho que as rimas ajudaram, se fosse com os poemas mais recentes não sei se a boa memória bastava). Não sei se fiz bem, porque desenterrei algumas coisas menos boas. Mas recuperei 3 poemas que não me trazem assim tão más recordações e que me permitem ver o meu percurso. Os poemas e pedaços de poemas que trazem recordação menos boas também me permitem ver o meu percurso. Estes casos até me permitem ver melhor o quanto cresci e o quão forte me tornei! Tratam-se de questões muito mais profundas do que a escrita. São questões sobre quem eu sou, sobre o amor-próprio, sobre o amor, sobre o sentido de tudo e o meu lugar no mundo...

É quase certo que o que aqui deixo não estará completamente idêntico ao original desaparecido, mas esta era a Ana Sofia de há mais de 10 anos, a Ana Sofia com cerca de 17/18 anos... Uma sonhadora tristemente inconformada e revoltada com a realidade... Não era tudo mau, mas a minha cabeça era um lugar terrível naqueles tempos. Fui a uma psicóloga, mas não correu bem. Há bons e maus profissionais em todas as áreas e eu não consegui ver naquela psicóloga vontade de me ajudar. Fui lá três vezes e depois fartei-me, porque senti que aquela pessoa só queria saber do dinheiro que a minha mãe pagava... Ainda assim, as três consultas tiveram um efeito positivo. (Se calhar era mesmo assim, uma terapia cognitivo-comportamental de choque, de efeito rápido.) Como tinha decidido procurar ajuda porque sabia que não estava bem e a ajuda que tive apenas me deixou furiosa, percebi que eu teria de ser a minha própria ajuda e que teria de arranjar forças mesmo que parecesse impossível. Também percebi que tinha um amor aos livros maior do que imaginava. Quando a psicóloga me sugeria ler a Bíblia e ir à missa em vez de ler Fernando Pessoa ou Al Berto, na minha cabeça eu mostrava-lhe um manguito mental. (Ainda por cima sugeriu-me isto numa altura em que eu me sentia extremamente indignada com a religião...) Ela não percebia, certamente, mas eu sabia que aquelas palavras eram o meu alento naquela tempestade e que não as podia deixar de parte. Compreendo que, quando estamos mal, é preciso ter cuidado com algumas coisas que podem ajudar a perpetuar esse nosso estado. Contudo, hoje percebo que não era isso que acontecia quando lia O Livro do Desassossego ou O Medo. Foram precisos alguns anos para perceber melhor o que aconteceu e reconciliar-me com alguns livros. Como os descobri na pior fase da minha vida, passei a associá-los àquele período e, durante algum tempo, não lhes quis pegar. Abominei a ideia da psicóloga, mas a minha cabeça fez uma terrível associação que teve de ser desfeita com o tempo. O tempo, como dizem, cura tudo. Não foi só o tempo. Contudo, o tempo foi essencial. Hoje apercebo-me de que aqueles livros me traziam momentos de felicidade no meio do desespero e que foi graças a eles que me aguentei. Senti-me compreendida nas palavras dos outros e percebi que o mundo era um lugar estranho e intenso tanto para mim como para outros. Redescobri também a beleza do mundo e acalmei o meu coração-esponja.

Não vou partilhar as coisas que me lembram mais o que é mau do que o que é bom, mas deixo-vos três poemas que escrevi quando era ainda uma jovem à procura da sua voz. O primeiro é o mais recente dos três, acho eu, e até tenho um certo carinho por ele.

 

Bailarina de Palavras

Sou uma bailarina de palavras 

Eu não danço com os meus pés 

Danço com o meu coração 

Danço com as palavras 

Danço por paixão 

 

A música que me faz dançar 

Não é de Tchaikovsky 

Ou de outro grande compositor 

São as estrelas a brilhar 

São as árvores a abanar 

 

Mas eu e a menina de rosa 

Temos algo em comum 

Ambas dançamos com alma 

Ambas sabemos sonhar 

Elevamo-nos até onde podemos 

Amor em tudo o que fazemos 

 

.................................................................................................

 

Estavam rosas de papel esquecidas no teu estendal. 

Sacudi-as, pois até parecia mal! 

Mas passou uma andorinha e levou consigo 

uma flor que não era minha... 

E se ela te fosse entregar a flor que eu ousei maltratar? 

 

A Primavera passou, mas a andorinha voltou. 

Voltou para te entregar o que eu tentara esconder 

com medo de te perder. 

 

.................................................................................................

 

E eu aqui perdida na rua 

Solto alta a voz que ecoa 

E eu aqui à beira do rio 

Sorrio perdida no meu desvario 

 

A voz que sai do meu peito 

É pequena e já sem proveito 

Mas eu canto com as estrelas do céu 

Que me beijam a face e me cobrem o véu 

 

O altar é longe daqui 

Sinto ardor quando estou a andar 

Cada passo é uma pedra 

Que queima no chão e fere a pegada 

 

Faça a fineza de lhe devolver o coração, Don Juan modernizado 

A menina precisa dele! 

 

Ana Sofia Alves

Pensamento do Dia #6

Sofia
15
Ago20

Choveu aqui no burgo e eu lembrei-me de um dia, na quarentena, ter começado a chover e eu ter visto uma série janelas a abrirem-se para as pessoas tirarem a roupa do estendal. Fui tudo tão rápido e sincronizado que me ficou na memória. (Isto bem explorado dava uma cena engraçada, talvez num musical. Sim, já estou com ideias tolas.)

Hoje, ou não estão tantas pessoas em casa ou não querem saber ou nem se aperceberam. Não sei se ainda chove ou se foi apenas algo temporário. Apenas vi uma das senhoras dos quintais da frente a ir buscar a roupa ao estendal. Isto de observar a vida alheia parece horrível, mas é isto que vejo quando olha pela janela. Prédios e quintais. Gosto sobretudo dos quintais porque têm árvores e há cães e gatos que brincam contentes. Há também um galo e umas galinhas. Antigamente, costumava ouvir o galo a cantar mas não sabia onde estava. Foi num dia de quarentena, enquanto trabalhava, que reparei no malandro aos saltinhos num dos quintais. Reparei que, com a quarentena, houve um quintal que ficou mais arranjado. Comecei a ver a dona de enxada na mão e o quintal a ganhar alguma cor. Bonito.

Não faço isto porque me interesse por saber a vida dos outros. Faço-o despretensiosamente porque sou bastante observadora e porque gosto de contemplar o que está à minha volta. Não me interessam as janelas e o que está lá dentro, mas gosto de ver os quintais com as suas árvores e plantas verdes. Aconteceu-me ver a senhora no quintal por acaso (não bem por acaso porque o quintal é dela). O pior é quando estou a olhar pela janela e parece que alguém numa janela do outro lado está a olhar para a minha casa. Ainda por cima não tenho cortinados porque não sou grande fã...

Memórias de uma noite de Verão no Loch Ness

Sofia
13
Ago20

Há músicas que nos transportam para outros espaços onde estivemos no passado. Comigo, a This is the life da Amy Macdonald que estava a tocar hoje na rádio transporta-me sempre para uma estrada algures na Escócia. Não a consigo localizar porque era noite cerrada, já passava da uma da manhã. Estava tudo escuro e a única luz eram as estrelas no céu e os nossos telemóveis que serviam de lanternas. Há nossa volta havia silêncio e só se ouvia o nosso barulho, o barulho de caminhar, as nossas conversas e, entretanto, as minhas colegas a cantarem a This is the life acompanhadas da música que saía do telemóvel. Cantavam tão bem! Na altura não sabia que pertenciam a um coro na Croácia, mas não deixaria de ser impressionante se soubesse. Fico sempre fascinada com os dons dos outros e feliz por poder assistir a algo que me desperta os sentidos. Não me posso considerar uma pessoa religiosa, ainda que acredite que existe algo mais, porque "life happens"  e o espírito crítico também, mas fui educada na religião católica e lembro-me, às vezes, da parábola dos talentos. Não gosto do seu tom ligeiramente severo e punitivo, mas concordo com a ideia de que devemos dar uso aos nossos dons, ao que temos.

Loch Ness, Escócia, Agosto de 2012

Fotografia tirada pela Nina K., uma das pessoas fantásticas que pude conhecer na Escócia.

 

Esta noite de Verão na Escócia parece-me sempre saída de um filme. O Loch Ness, uma fogueira, as estrelas, algumas latas de sidra, a música a tocar... Sobre a música, só me lembro de quando tocou Led Zeppelin, porque é uma das minhas bandas favoritas e porque acabámos a comentar a casa que o Jimmy Page teve naquela zona. No final, a família inglesa que nos tinha convidado a ir ver as estrelas despiu-se e mergulhou no Loch Ness. Não esperávamos o súbito desfecho e, apesar da mente aberta, não os decidimos acompanhar apesar do convite.

Regressámos entretanto para o hostel. Saltámos uma cerca por onde tínhamos antes passado mas que não me lembro de lá estar, se calhar porque o caminho não estava fechado na altura. Seguimos estrada fora sem que um único carro passasse por nós. Assustámo-nos um pouco com o barulho das ovelhas que acordámos com a nossa passagem e pensámos que estávamos a viver uma cena de um filme, esperando que não fosse um filme de terror onde um grupo de estudantes é encontrado no meio do nada por alguém menos bem intencionado e que pode até ser um assassino. Correu tudo bem e o caminho até ao hostel proporcionou-me um bom momento de contemplação. Para quem nunca se sentiu no meio de nenhures, é difícil descrever a sensação. Sentimo-nos libertos e no centro do mundo. Somos nós e o universo. Sentimos que o mundo é belo e que há tanto por descobrir.

Tive sorte em participar duas semanas num Erasmus de Verão. Conheci pessoas fantásticas. Aprendi mais sobre outros países e culturas. Aprendi mais sobre mim. Estudei coisas bastante interessantes. Vi das paisagens mais belas da minha vida, talvez até mais belas do que as que vi no Japão (e ir ao Japão era a minha viagem de sonho)! Os dias eram longos, mas não se sentia o tipo de cansaço que se sente habitualmente no dia-a-dia. Acordávamos cedo para ir para as aulas e ao final do dia aproveitávamos a sala comum para apresentações temáticas sobre os nossos países e para falarmos uns com os outros. Fui tudo tão intenso!

Gramofone #6

Sofia
10
Ago20

Miles Davis - All Blues

 

Who has removed the typewriter from my desk,

so that I am a musician without his piano

with emptiness ahead as clear and grotesque

as another spring? My veins bud, and I am so

full of poems, a wastebasket of black wire.

The notes outside are visible; sparrows will

line antennae like staves, the way springs were,

but the roofs are cold and the great grey river

where a liner glides, huge as a winter hill,

moves imperceptibly like the accumulating

years. 

 

Derek Walcott, "In the Village", White Egrets

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