Gramofone #11
Capicua - Gaudí
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Capicua - Gaudí
Os astros lá no alto não querem saber das nossas dores.
Mesmo quando o mundo bate dentro do nosso peito,
não temos direito a qualquer pequena contemplação.
Mesmo que as lágrimas afundem um pequeno coração,
o Universo permanece igual. Chega-se assim à conclusão:
não há nada no coração, é só sangue e carne pulsante.
Memórias de aconchego, sorrisos ou lágrimas de tristeza
são frutos da nossa imaginação. No entanto, o ritmo,
a pulsação, parece contar uma história. Parece haver
uma memória, sorrisos e lágrimas. O sangue espalha-se
por todo o corpo, a história corre-nos pelas nossas veias.
As memórias permanecem como alicerces e sentimo-nos
um edifício belo, mas degradado. Já não há tecto que nos
proteja, apenas astros lá no alto que não querem saber.
Fazemos promessas feias ao infinito quando há esperança.
Consumimo-nos até sermos apenas fumo que segue no ar.
Consumimo-nos até que a carne se desfaça em bocados,
até que o sangue que nos dá vida decida parar de correr.
Quantas histórias! Quantas pulsações! Quanta loucura!
Chamam-lhe viver. Quantas mortes? Quantas vidas?
Ana Sofia Alves
9 de Outubro de 2021
Os pés descalços e escuros da terra
corriam em direcção ao baloiço.
Por baixo dos pés, havia terra, raízes
e caruma dos pinheiros que picava
os pés enquanto corriam ou andavam.
Na terra escura havia a liberdade
de se ser quem se quiser e os sonhos
que as crianças guardam em cofres.
Os tesouros da infância estão guardados!
Parte de mim ficou colada à resina
que escorria pela casca dos pinheiros
e que as minhas mãos de criança tocavam
na procura de novas sensações. Ficamos
colados às cascas da nossa vida.
Os chorões agarravam-se à terra
com mais firmeza que as minhas mãos
que apenas queriam ser livres para construir
castelos com uma terra difícil de moldar.
Queriam ser livres para agarrarem as pinhas
e as canas, para abraçarem as árvores, para
agarrarem um pedaço de pão enquanto o corpo
corria pelo terreno, livres para agarrarem
as cordas grossas do baloiço
enquanto o corpo se imaginava a voar.
Livres e sujeitas, por isso, a qualquer infortúnio,
como as urtigas. Livres e nuas,
prontas para agarrarem com força as cordas
e prontas para ampararem qualquer queda.
No alto, à noite, as corujas tornavam-se as guardiãs
dos sonhos e dos pesadelos.
Na noite funda, ouvia-se um piar sem fim.
Os pinheiros guardavam as guardiãs.
O corpo descansa enquanto a mente anseia.
A mente anseia crescer como um pinheiro.
Ana Sofia Alves
1 de Outubro de 2021