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a world in a grain of sand

um mundo num grão de areia

a world in a grain of sand

um mundo num grão de areia

Lençóis de água

Sofia
30
Jun25

Esta coisa de estar de baixa por causa do joelho está a trazer ao de cima coisas antigas. Por um lado uma grande vontade de escrever, por outro uma enorme parvoíce que me faz rir de coisas parvas ou fazer piadas idiotas.

Ora, estava o namorado a tirar a roupa do estendal para estender mais e comenta "Será que o lençol já está seco?" Nisto, a minha parvoíce veio ao de cima sem qualquer aviso e eu digo "Claro que está seco. Com este calor tem de estar seco, a não ser que seja um lençol de água."

 

Vou ali enfiar a cabeça na areia...

Lisboa - Londres

Sofia
30
Jun25

Sempre que as violentas ondas me sacudiam e destruíam os meus palácios de princesa, eu via-me a ancorar nas tuas mãos. Quando as ondas esverdeadas, cristalinas e espumosas rebentavam na areia, toda a minha vida, o meu sangue, os meus pensamentos, memórias e desejos eram sugados pelo oceano. Depois, sem me aperceber, estavas lá, com as tuas mãos, as tuas redes, que me resgatavam da turbulência. E depois… Depois, eu era uma praia nua, de areia clara e fria, à espera do meu Verão.

 

Passaram-se anos e hoje já não espero pelo Verão. As estações sucedem-se no seu ciclo habitual, embora cada vez mais disformes e difusas. Quando acordo a meio da noite e relembro aquele Inverno, penso em ti e, aos poucos, o sangue volta a percorrer a minha face, dando-lhe novamente cor.

 

Apanhei o autocarro apressado porque me atrasei a sair de casa. Hoje custou-me a acordar. Senti o peso do mundo em cima dos ombros e, quando me quis levantar, esse peso empurrou-me para o fundo dos lençóis, tentando esmagar-me na doçura da manhã. Ontem à noite, antes de adormecer, pensei em ti. Eras tão engraçada com o teu mau feitio… Refilavas muito se eu te chamasse à atenção, embora, muda, reconhecesses os teus erros. Recusaste despedir-te de mim, porque as despedidas são para sempre, dizias, mas, muda, olhaste-me nos olhos com um beijo de despedida e a minha partida foi muito mais suave. Parti de madrugada, levando na bagagem um rol de lágrimas não derramadas e uma caixa de bombons. Saboreei cada bombom, cada sensação doce e amarga que me foi oferecida, e deixei-me ir pelo meio das nuvens.

 

Naquela tarde, fizemos amor e soubemos que já não havia forma de voltar atrás. No meio de risos e de uma alegria contagiante, embebidos pelo ritmo do jazz que escutávamos, deixámo-nos ir mais além. O calor da tua pele a tocar na minha, os teus lábios de uma cor viva a desejarem os meus, os teus cabelos soltos, nós os dois, sem compromissos… Night and day, you are the one. Deixámo-nos arder, até nos tornarmos cinza e renascermos. Fomos ao inferno e voltámos, conscientes da nossa ousadia. No fim, restariam apenas consequências.

Adormecemos abraçados, como dois amantes apaixonados a quem o sol sorriu um dia. Os astros foram as nossas testemunhas e só eles sabem as juras que fizemos sem falar. Só eles sabem que, afinal, ambos queríamos a eternidade.

 

Quanto mais percorro estas ruas, mais certezas tenho de que o céu não é igual para todos. A realidade é um momento. Pé ante pé, avançamos e o contexto muda. A realidade é feita de linhas ténues, de movimentos transparentes e tem uma existência breve e mutável.

Agarro o puxador da porta e todas aquelas questões que tentei mandar para trás das costas aparecem novamente. Todas as perguntas se resumem a uma: É mesmo isto que queres fazer da tua vida, Rita?

Agora já não há outro caminho. Os dedos, sem força, agarram o puxador e, trémula e lentamente, a porta vai-se abrindo. Não me demorei. Saí transparente, difundindo-me na realidade irreal. Este momento de transição fez-me crer estar a dar os passos de outra pessoa e não os meus. Depois vêm os porquês. Até à minha partida vou ser interrogada várias vezes. Decidi dar sempre a mesma resposta: Porque não?

Coloco os fones nos ouvidos para me perder melhor na realidade. Baby, baby it’s a wild world… Se eu me perder, peço que me encontrem só depois das doze badaladas.

 

Quando não esperava voltar a ser surpreendido, apareceste à minha porta. De Lisboa para Londres, voaste na minha direcção. No Sábado, tocaram-me à porta e, por ser tão pouco usual, não sabia o que me esperava. Dirigi-me para a porta a pensar na manhã cinzenta e nas saudades que sentia do sol de Lisboa, abri-a e, de repente, a luz de Lisboa desarmou-me.

Por momentos, julguei estar a sonhar e a fugir da realidade, até que a tua voz, ao longe, me disse: “Desculpa ter aparecido sem avisar.”

Pisquei os olhos e acordei para a realidade. Estavas à minha porta, em Londres, e a tua voz nunca me soou tão bem! Tive vontade de te abraçar e beijar como da última vez. Em vez disso, dei-te um longo abraço e uma lágrima rebelde rolou pela minha face.

Em palavras surdas disse: “Rita, estás aqui.” Deixámo-nos ficar em silêncio, imóveis, no tempo só nosso.

 

Os dias passavam e eu deixava-me ser pisada por eles. Marchavam os dias sobre mim, corriam os dias sobre mim, dormiam os dias sobre mim. Eu ficava imóvel. Por baixo dos dias, jazia uma pele, um corpo, um coração e uma alma. Por baixo dos dias, o meu coração acordou. Foi assim que tomei a decisão de partir.

No reencontro, abraçámo-nos para, como estátuas, sentirmos a infinitude dos dias. Expliquei-te porque parti, receosa do que me pudesses dizer. Deixei as lágrimas rolarem. A minha cara inundada, a minha garganta desértica. As palavras ganhavam corpo naquela água salgada que deslizava pela minha face e que as tuas mãos tentavam dissipar. As tuas mãos afagavam-me o rosto e puxavam-me para junto de ti. Encostada a ti, chorei. O meu corpo apertado ao teu, as tuas mãos na minha nuca, o teu cheiro tão próximo de mim. A infinitude como um calor que se propaga a partir do nosso centro. O universo a abraçar-me.

 

 

Não tive coragem de te chamar à razão, não depois de te ver destroçada nos meus braços. Ainda para mais, invejei a tua coragem. Não estarias tu mais certa do que eu? Por mais que pensasse em voltar, uma parte de mim sentia vergonha porque teria de admitir que nunca deveria ter partido. E assim se passam dias, semanas, meses e anos. 2 anos. Assim nos deixamos afundar. Perdemos a voz, tapamos os olhos, acordamos para dormir mais um pouco. Descobrimos, nalguns dias, que vivemos nos nossos sonhos. No nosso sono vívido, por vezes, deixamo-nos perder nos sonhos que nos visitaram na noite anterior. Percebemos que não os deixámos escapar. Estúpidos, decidimos dar meia volta e abandoná-los. E os clichés fazem-nos sentir ainda mais parvos. E as frases feitas fazem-nos sentir idiotas. Eu bem te avisei. E as frases feitas que dissemos a nós mesmos assentam-nos que nem uma luva, aquelas frases que pensámos e que só nós conhecíamos porque falavam dos nossos mais íntimos desejos. Apercebemo-nos de que nos conhecemos melhor do que pensamos mas que nos faltam tomates. É melhor acreditar que os outros sabem melhor o que é melhor para nós. O oposto implica dizer ao mundo que estamos aqui para o que der e vier. O furacão aproxima-se e nós, hirtos no meio da cidade, anunciamos o nosso Eu. Foi assim que abandonei a racionalidade e me deixei controlar pela agonia. Depois da agonia, a tristeza. No nosso abraço, as lágrimas entrelaçavam-nos.

 

Samuel piscava os olhos e fazia pequenos movimentos com a cabeça. Para a frente. Para trás. Os olhos vítreos liam um conjunto de linhas, parágrafos e textos que não eram visíveis aos nossos olhos. Os seus olhos processavam múltiplas informações, como um ficheiro que corre velozmente num computador até chegarmos aos resultados finais. Os olhos abriam-se e fechavam-se como pequenas janelinhas num ecrã. Quadradinhos com luz. Escuro. Quadradinhos. Luz. Escuro. Letras e números passavam velozes naquele olhar de vidro.

Samuel estava pálido.

Que será de nós?”, pensou Rita. Agarrou-lhe na mão e pediu que aquele toque tivesse forças para o puxar de novo para a realidade.

Foram muitos dias corridos, muitas horas e semanas de trabalho árduo. A Rita já o tinha avisado. Somos máquinas mas temos os nossos limites.

Os olhos fecharam-se, a cabeça pesou como uma âncora. Samuel deixou-se cair na cadeira. As pernas fraquejavam e já não suportavam mais o peso daquela cabeça.

Rita segurou-lhe na mão. Ficaram assim. Naqueles segundos residiam horas de aço, nervos de aço.

Samuel abriu os olhos. Lentamente, os seus dedos fecharam-se por entre os dedos de Rita. Eram palavras ocultas.

Vamos voltar”, disse por fim. “Chega deste céu sem cor, chega deste cinzento.”

Abraçaram-se. A decisão estava tomada.

Rita levantou-se. “Vou arranjar um chá para nós.”

Enquanto Rita se dirigia para a cozinha, Samuel deixou-se ficar na cadeira, vazio. Ainda há pouco se sentia preso a um destino que não lhe pertencia e agora estava a poder apreciar novamente a sua liberdade, sem mais informações para processar.

Enquanto Rita colocava a chaleira com água ao lume, Samuel pensava na sua infância. Tinha sido na sua infância que tinha experienciado pela primeira vez a liberdade. Não o sabia na altura e, por essa razão, talvez fosse uma liberdade mais pura. Na casa dos seus avós, Samuel gostava de pegar em livros, correr atrás do gordo Napoleão, tentar pegar naquele volumoso gato laranja, metê-lo no cadeirão do seu avô e ler-lhe aquilo que encontrava.

A chaleira começou a apitar. Este ruído transportou-o novamente para a casa dos seus avós, no campo, onde, nos dias frios de Inverno, a sua avó aquecia a água para o chá para que pudessem aquecer as mãos e o corpo a partir de uma caneca. A chaleira apitava e, com 10 anos, Samuel imaginava que o comboio ia partir para iniciar uma nova viagem. Bebia o chá o mais rápido que podia. Por vezes queimava-se na sua pressa jovem. Saía a correr da sala, agarrava numa boina do seu avô e fingia estar a controlar um comboio. Corria pela casa, fazendo paragens no seu percurso para deixar entrar e sair os passageiros. Terminava o percurso sempre no mesmo sítio, nas escadas que o levavam até aos quartos. Cada quarto era um mundo fechado que ainda não estava ao seu alcance. Por vezes, depois de cada viagem, detinha-se em frente a uma das portas e pensava no que sonhava cada pessoa que ali dormia. Eram outros mundos. Acreditava que cada pessoa imaginava e sonhava um mundo diferente, o seu próprio mundo. Era isso que ele fazia no seu quarto: sonhava e imaginava o mundo. No entanto, com os anos, viu-se esquecer dos sonhos. O seu quarto que outrora tinha sido um espaço de contemplação tinha-se tornado um depósito de problemas e frustrações. Tinha deixado a porta demasiado aberta para a realidade.

Toma.” Rita estendeu-lhe uma chávena e sentou-se junto dele. Anoitecia e as sombras das árvores começavam a entrar pela janela. O chão cobria-se com um tapete de ramos e folhas que oscilavam muito devagar. Hoje era ela que o ancorava.

A noite iria terminar cedo. Precisavam de repouso. Os guerreiros preparam-se para as batalhas. Nas suas cabeças, concentram forças que lhes permitam vencer. Preparam-se para a guerra de corpo e espírito. Prometem a si mesmos não dobrar os seus pensamentos, não flectir as suas esperanças, para que as suas pernas se mantenham firmes e os seus joelhos não se dobrem no chão.

 

Os braços de Rita eram searas ao vento a balançar na felicidade da despreocupação. A partida chegara finalmente. Rita e Samuel tinham feito há muito as malas. Samuel não queria levar consigo quaisquer recordações do tempo passado em Londres. Rita, por sua vez, pretendia coleccionar todos os momentos desde o primeiro dia, pois, para si, esta era a aventura que tinha vindo procurar. A partida para Londres tinha sido um crescendo no seu concerto a solo. Depois de imenso tempo, Rita conseguiu assumir-se como solista da sua vida. Cada passo que deu fê-la crescer e alcançar os passos dos Deuses. Um músico sabe que a música pertence aos Deuses, tal como o amor, a poesia e a pintura. Agora, no lugar alcançado, Rita era solista, mas aprendera a partilhar o palco. Tudo se tornou mais fácil quando percebeu que os solistas são estrelas e as estrelas, ainda que dispersas, são muitas e brilham em conjunto. Quando o brilho de Samuel começou a desaparecer e todos os seus dias se tornaram baços, Rita percebeu que era a sua vez de retribuir aquele momento em que, naquela praia, Samuel a ancorou à terra, não a deixando ser apenas uma gota no oceano.

Partiram para regressar. O gosto do regresso era reconfortante como uma lareira acesa no Inverno frio.

Agora, a eternidade pertencia-lhes porque eram donos dos sonhos. Dormiam com os olhos abertos voltados para o céu e depositavam fantasias nas nuvens.

 

 

 

Tomás agarrou na fotografia com as mãos e pousou-a no colo. Os olhos começaram a largar lágrimas e, pouco depois, levou as mãos ao rosto para limpar as lágrimas que começaram a escorrer com maior velocidade.

Carregava a dor no peito e cada inspiração era só mais uma pá de terra que o fazia sentir-se soterrado. Dentro de si, o ar sufocava como se as cordas vocais fossem uma autoestrada no deserto e os pulmões um cemitério de sonhos. No seu peito sentia o peso da terra árida que lhe serviria de sepultura.

Pousou a foto na mesa ao lado da sua cama e o seu olhar passou pelo portátil aberto e pelas páginas que tinha escrito. Os olhos encheram-se de novo de lágrimas, desta vez com a força natural de uma tempestade que chega sem aviso e leva tudo à sua frente.

Queria dar-lhe um final feliz, uma história de protagonista, um romance com esperança, não um ponto final numa nota de rodapé num noticiário: "Homem morre afogado ao tentar salvar jovem de afogamento."

Porque raio te foste atirar ao mar, Rita? Porque raio foi ele levado e não tu?

 

 

Ana Sofia Alves

 

 

 

A quem me quiser ler: Parece que finalmente dei um final a esta pequena história que tinha na minha cabeça. Nada perfeito, eu sei, mas gostei deste rumo. Aquilo que eram textos dispersos começou a ganhar outra forma e eu comecei a ver uma história que não era minha e quis ir atrás deste pequeno desafio pessoal. Agora posso partir para outras paragens, como o comboio do Samuel. Para já, fica assim e espero não me arrepender da partilha. Um bem-haja a este cantinho da Internet que me faz querer dedicar um pouco mais do meu tempo à escrita, sem medo ou pretensões.

Pensamento do dia #13

Sofia
30
Jun25

Bem sei que é estudo, técnica, vocação... Mas, agora que tirei os pensos e vejo as minhas cicatrizes dos 2 buraquinhos no joelho, só consigo pensar que isto é magia. Não é, mas a ciência é fascinante e parece-me magia. Qual varinha mágica! O que não é um bisturi ou um conjunto de ferramentas nas mãos de quem sabe!

 

(O corrector automático sugeriu-me substituir "buraquinhos no joelho" por "cavaquinhos no joelho". Dispenso um joelho musical... )

Gramofone #13

Sofia
29
Jun25

Nick Cave & The Bad Seeds - The Weeping Song

 

Não páro de me lembrar dos concertos maravilhosos que vi no ano passado, talvez para não ficar muito chateada por não estar com sorte este ano (as fotos de amigos e conhecidos ou as notícias não param de me lembrar que não pude ir a nenhum dia do Evil Live).

O que me chateia mais é perder o concerto dos Iron Maiden. Quando comprei o bilhete pensei "É desta, finalmente!" A vida sabe bem trocar-nos as voltas e é por isso que aprendi a não dar nada por garantido.

Vou recordando os concertos do ano passado e penso "não me posso queixar". Celebrei o meu aniversário num concerto dos Depeche Mode, uma das bandas que ainda não tinha visto ao vivo, mas que estava na minha lista de desejos. Fantásticos como esperava! O carisma do Dave é hipnótico.

Chegados a Junho, aquilo que começou por ser uma brincadeira ganhou forma e tornou-se real. De repente, estávamos em Marselha para assistir ao concerto dos Rammstein. Já os tínhamos visto no Estádio da Luz no ano anterior, mas o concerto em Marselha foi ainda melhor. O Till estava mais solto e o público francês também é fantástico. Desta vez fiquei nas grades do palco secundário onde tocaram a Engel. Memórias que espero não perder.

Já em Outubro, foi a vez de ver o Nick Cave, dono de um grande vozeirão. Foi um dia estranho. Havia jogo do Benfica e eu e o meu namorado não queríamos deixar de ir ao jogo. Estávamos com algumas dúvidas e no fim decidimos ir à primeira parte do jogo e sair depois para o concerto. Foi uma época de dissabores, mas neste dia foi um bom jogo e, quando saímos, já estávamos à frente no marcador. Ao chegar ao concerto, apercebemo-nos de que mais benfiquistas fãs de Nick Cave tinham tido a mesma ideia que nós. Por termos chegado no fim da banda de abertura, já não conseguimos um bom lugar à frente. Optámos por aproveitar o concerto de um modo diferente do habitual - comemos e bebemos alguma coisa antes do concerto começar e ficámos muito mais longe do palco do que habitualmente ficamos, mas tínhamos uma boa visão pois não estávamos num amontoado de gente. Foi um concerto lindo que me emocionou. O pior foi mesmo acordar cedo no dia seguinte para ir trabalhar. A música transportou-me para um sonho e eu já só queria ali continuar.

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