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a world in a grain of sand

um mundo num grão de areia

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um mundo num grão de areia

Marselha 2024 - parte 1

Sofia
15
Jul25

Foi em Junho de 2024 que, num fim-de-semana grande, fomos a Marselha.

Tudo começou em Novembro quando, num jantar de aniversário, um colega meu deu a ideia de irmos ver Rammstein ao estrangeiro, já que em 2024 não viriam a Portugal. A ideia ficou ali na minha cabeça como uma semente que precisa de tempo para germinar. A ideia agradou-nos e, mesmo sozinhos, levámo-la avante.

Nunca tínhamos ido a um concerto no estrangeiro, mas pareceu-nos uma excelente ideia combinar a música com a vontade de viajar.

Mochilas às costas e com as t-shirts dos Rammstein vestidas, partimos à descoberta de Marselha, uma cidade mediterrânea que nos proporcionou bons momentos.

É verdade, Marselha tem uma má reputação. É uma cidade com problemas de criminalidade e é bom saber por onde andar e, se necessário, estar vigilante - nunca é demais. O som das sirenes é constante e algumas partes são sujas. Ainda assim, isso não me impediu de aproveitar a viagem e gostar da cidade. Viver a vida toda na linha de Sintra talvez me tenha preparado para a viagem... Antes não fosse verdade, mas é. Sujidade vejo eu todos os dias assim que saio de casa e as sirenes são uma constante também. Tenho sorte de não ter ido a pé para o trabalho com o caminho coberto por um rasto de sangue largado por um homem que morreu, como aconteceu com o meu namorado. Ao viajar gosto de deixar as coisas desagradáveis no sítio delas, mas, em Marselha, fui obrigada a lembrar-me delas. E o mais estranho? Achei Marselha mais limpa que a minha cidade... Marselha, a cidade que todos me diziam ser bastante suja.

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Assim que chegámos ao centro, tentámos ambientar-nos. A avenida estava em obras e percebemos que ali iríamos encontrar alguma sujidade. Fomos comer algo rápido e organizar melhor o nosso dia. Fomos sem grande planos - uma pequena lista de sítios por onde gostaríamos de andar e o resto seria uma descoberta.

Bebemos um café e ficámos agradavelmente surpreendidos. Está-nos no sangue beber um café, uma bica, um cheio... O primeiro foi a medo e foi uma agradável surpresa. O segundo foi um tira-teimas e os seguintes já foram sem medo - desfrutámos de cada momento. Bebi imenso café em Marselha. Que bom poder ter algo tão meu fora de casa! Disseram-me que tive sorte, que em França os cafés não costumam ser bons. Não achei sorte, achei que em Marselha a cultura do café é levada a sério, ao contrário do que possivelmente acontece noutras zonas.

Não vimos muita coisa no primeiro dia, porque era o dia do concerto dos Rammstein no Stade Orange Vélodrome. Excelente organização! Achei tudo bastante organizado. Até chegarmos à fila da nossa porta, havia imensos sacos de lixo colocados em barreiras e que todos iam usando - não vi imenso lixo no chão antes ou depois do concerto. Este tipo de organização teria sido benéfico, por exemplo, no concerto que a Taylor Swift deu no Estádio da Luz. Nesse dia, fui ver um jogo de basquetebol ao pavilhão e, ainda nem o concerto tinha começado, já o caminho estava cheio de latas de kombucha que já não cabiam mais nos caixotes a abarrotar.

Já no estádio, que é bastante bonito, conseguimos um lugar junto às grades do segundo palco. Ao nosso lado havia outros turistas, alemães. Na minha ingenuidade fui tirar uma foto com a opção de levantar a mão e o meu namorado teve de me alertar que estava a assustar os vizinhos alemães... Quem inventou a função de tirar selfies com o telemóvel levantando a palma da mão não devia ser alemão.

O concerto foi ainda melhor do que o concerto de 2023 no Estádio da Luz. O público francês também é um público brutal e a banda estava ainda mais à vontade - talvez pelo desfecho dos casos envolvendo o vocalista. Saímos do concerto e a avenida tinha imensa gente, alguns saídos do concerto e outros a aproveitar a noite de Sábado. Estava um ambiente agradável e, mesmo sendo tarde, sentimos que poderíamos continuar o caminho a pé até ao hotel. Pelo caminho havia alguns bares e padarias. Estávamos com fome e parámos numa padaria para comprar uma fatia de pizza para cada um. Era pequena, mas acolhedora e pronta para aviar rapidamente quem ia passando. Podia dizer: visitem este museu, visitem aquele sítio, comprem isto, comam ali... Não o faço e tenho consciência de que não tenho grande jeito para falar de viagens. Falo de viagens para falar de memórias. Sinto que o mais sincerto que posso dizer é: façam algo inesperado, surpreendam-se, vivam, criem memórias. Se o inesperado for encontrar uma padaria aberta depois da meia-noite e irem lá comprar algo para comer em andamento pela avenida com as estrelas como cúmplices, porque não? No fim, são estas memórias que mais calor nos trazem.

Continua...

Autópsia ao coração de um poeta

Sofia
14
Jul25

Quando o bisturi abriu o pedaço de carne musculada,

os olhos tornaram-se duas janelas abertas ao tempo.

No coração, havia restos de uma agonia antiga,

poemas aprisionados em gaiolas fictícias, confetti,

purpurinas, áreas moles - coração mole - onde o choro era rei,

áreas secas pela passagem da estações, uma área vermelha

que queimava tudo ao toque, relâmpagos, sangue a escorrer

como lava, mais confetti mas em forma de piroclastos no ar,

espirais de incerteza, sorrisos inscritos na pele,

palavras cravadas nos músculos e que ainda piscavam

e faziam o coração pulsar mesmo depois de aberto.

Então é isto o coração de um poeta?

O coração fechou-se como um livro.

"Aqui jaz o coração de um poeta, dissecado para fins lúdico-educativos."

 

Na terra, o livro antigo fez nova morada e as suas raízes

agarraram-se de novo à vida.

Pobres coitados! Ninguém lhes disse que o coração do poeta

não repousa e que a morte é só mais uma metáfora.

 

Ana Sofia Alves

14 de Julho de 2025

 

 

Os dedos adormecem

Sofia
14
Jul25

Os dedos adormecem agora cansados

de escavar terra suja que se entranha

nas unhas e no corpo. Dei-lhes uma nova

morada com fios de marioneta e pedi

que alguém lhes desse vida por mim.

 

Revisito o meu corpo passageiro

e, sem dedos, já nada sinto ao tocar.

Quebram-se ossos só de olhar para

cima. Por detrás do meu corpo,

um suspiro alheio que nada me diz.

 

Remexo esta terra caída no chão.

Aqui já nasceu uma flor e o ar já

foi mais leve. A terra é seca e a raiz

ficou presa aos meus dedos cansados.

Haverá mais flores por nascer.

 

Ana Sofia Alves

14 de Julho de 2025

Silêncio Estelar

Sofia
14
Jul25

Se a noite cair e nos deixar na escuridão,

que os meus olhos se abram aos astros

e eu possa colher dentro de mim a luz.

Espero que ela pouse nos meus olhos

lentamente como um véu aceso e leve.

Que os meus olhos se abram aos astros

e o meu rio seja móvel como o tempo.

Daremos as mãos e os pés e os olhos.

Daremos beijos pálidos como a poeira

estelar. Seremos sonhos audíveis nos

mais baixos decibéis. Cala-se a voz

que deposito nos meus dedos e eu sei

que nunca precisei dela para falar.

 

Ana Sofia Alves

14 de Julho de 2025

 

Whistler-Nocturne_in_black_and_gold.jpg

Nocturne in Black and Gold – The Falling Rocket, James McNeill Whistler

(imagem: Wikipedia)

Os nomes das rochas

Sofia
10
Jul25
Os nomes das rochas
pesam nos corações.
As pedras basilares
constroem fundações
pesadas no nosso peito.
 
Erguemo-nos nos nomes
que nos constroem e
levantamo-nos como
os pássaros levantam voo.
 
Com o tempo,
a água e o vento
tornam-nos praias.
Somos as rochas e
pedras que nos erguem,
acariciadas pelo calor
do tempo.
 
Ana Sofia Alves
10 de Julho de 2025
 
 

20240610_115341.jpg

Plages du Prado, Marseille, 2024

 

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