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a world in a grain of sand

um mundo num grão de areia

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um mundo num grão de areia

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Sofia
27
Set25

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Há coisas que de tão aleatórias parecem destino. Isto serve para imensas coisas que acontecem.

Sinto-me bem e plena. A recuperação do joelho tem corrido bem e em menos de um mês já devo estar pronta para ir à minha vida. Há altos e baixos, dias menos bons, mas o que conta é o caminho e o resultado. Não ficarei logo a 100%, é certo, porque há coisas que vão demorar um pouco e vão implicar que mantenha o foco e continue este trabalho de fortalecimento por mim. Coisas engraçadas: tanto trabalhei na perna operada que o equilíbrio dessa perna agora é melhor do que o da outra. Agora é fortalecer-me como o todo que sou e continuar a trabalhar nos detalhes e movimentos da perna direita.

No trabalho, já estou de volta ao trabalho presencial, embora, devido à fisioterapia, esteja a trabalhar um pouco em teletrabalho de manhã. Tenho conseguido manter a minha energia positiva e isso tem-se reflectido no dia-a-dia. Sinto-me mais forte, mais capaz, menos medrosa. Sinto-me mais inteira, sem problemas em ser como sou e isso torna cada dia ainda mais especial, porque estou a ser capaz de não me apagar na rotina. Também me sinto mais selectiva - se a idade me ensinou a não me preocupar tanto com o que pensam de mim, a força que sinto fez-me crescer e evitar aquilo que não me faz bem. Preocupo-me com aqueles e com aquilo que realmente é importante para mim e o que não me faz bem é para deixar para trás. A vida, por si, já se encarrega de nos dar alguns pesos, não precisamos de levar outros connosco.

E não é que os Iron Maiden vão voltar e tem tudo para ser melhor ainda porque desta vez será no Estádio da Luz? Espero que este bilhete não seja para vender como o outro, muito menos por causa de uma lesão.

Pensamento do dia #20

Sofia
18
Ago25

Todos os dias faço uma escolha e a minha escolha sou eu.

No final, serei sempre a minha melhor companhia, aquela em quem mais poderei confiar, aquela que nunca me irá abandonar. Esta escolha é o que me agarra à terra, mantém-me firme como uma longa raiz que me segura há anos.

Quando o aborrecimento se faz sentir, eu lembro-me de que basto eu, apenas. Eu escolho os meus sofrimentos, as minhas alegrias e tédios.

Existo porque continuo a escolher-me e isso basta.

Filmes, bilhetes e cartas

Sofia
18
Jul25

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Tudo começou quando decidi usar a minha conta na MUBI para marcar todos os filmes que já vi (tarefa hercúlea e pouco realista). Gostei da plataforma e quase pondero subscrever o serviço. Talvez use o período experimental para me decidir. Para já, estou a organizar listas.

Ao fazer a lista de filmes vistos, estou a reviver anos de vida e a desenterrar inúmeras coisas. Lembrei-me d'A Pianista e em como esse filme foi brutal quando o vi. Anos mais tarde li o livro - ainda mais brutal. Se houve um livro que me deixou com mau estar, foi esse. Não foi pela história em si, mas pela história que ele me fez reviver. Vendi o livro depois de lido. Agora, talvez tenha de o voltar a comprar. Passaram-se anos e isso deixa-me capaz de lidar com os mesmos assuntos mas de modo diferente.

Tentei recordar-me de alguns filmes que vi no Cinema São Jorge em festivais de cinema. O que eu não estava a perceber era que os filmes eram um fio condutor de memórias. Lembrei-me dos primeiros anos de namoro e dos anos seguintes. Ao procurar os bilhetes que guardo, encontrei cartas que escrevi ao meu namorado há 15 anos atrás, há 10 anos atrás... Comecei a lê-las e as lágrimas não pararam. Chorei por tudo, porque tudo o que é belo faz-me chorar, faz-me ir ao fundo. Chorei porque fui e sou feliz. Continuo sem jeito para falar de amor, mas sinto-o. Sinto-o sempre bem fundo no meu peito e sei que é o amor que dá sentido às palavras embora também as torne irrisórias.

Nunca sabemos o que o futuro nos reserva, mas sonhamos e tomamos decisões com base nos nossos sonhos e, assim, vamos construindo o nosso futuro. Há 10 anos eu escrevia que queria continuar a partilhar a vida inteira com ele e dizia que queria também partilhar uma casa, ter com ele o nosso espaço. Hoje já temos a nossa casa e continuamos a partilhar a nossa vida. Hoje escrevo e digo-lhe que quero continuar a partilhar a minha vida inteira com ele, ele que sempre foi o meu melhor amigo, mesmo depois de começarmos a namorar.

As rotinas apagam-nos, tiram-nos charme. Às vezes sufoco com as rotinas e a minha alma esbraceja. É preciso esforço para não nos apagarmos e continuarmos a ser nós mesmos. A baixa tem-me feito pensar muito em tudo isto. Apercebi-me de que me estava a apagar nas rotinas. Continuava a ser eu, mas a minha chama estava menos viva. Aquilo que é meu, independentemente de ser compreendido ou partilhado, os meus gostos, as minhas emoções, estavam diluídos nos dias e aborrecimentos.

Espanto-me sempre com a capacidade que o meu namorado tem de aguentar o turbilhão de emoções vivas que eu trago em mim. Às vezes parece-me que ele não tem noção do quão forte é! Posso estar perdida dentro de mim ou dentro do mundo, mas olhá-lo nos olhos é como agarrar uma corda que me puxa de novo para cima.

Dizem que os olhos são os espelho da alma e até fazem programas sobre o que os olhos dizem. Tenho descoberto que, ainda assim, somos muito mais que olhos, gestos ou palavras.

Vou ali afogar-me em filmes, bilhetes e cartas. A minha alma está velha, mas nunca cansada.

 

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Senhor dos Anéis, A Irmandade do Anel

 

Fica a pergunta: quem mais gostaria que os bilhetes voltassem a ser como antigamente? Hoje os bilhetes são quase todos digitais. Apesar das vantagens, nem sempre são tão práticos e não dão para os guardar do mesmo modo. Tenho uma pasta no meu email com bilhetes digitais, mas não tem o charme de um envelope ou de uma caixa de cartão cheia de bilhetes, cartas e fotografias.

Crónicas em batom rosa choque

Sofia
03
Jul25

Ligaram-me no outro dia a pedir que fosse de novo à clínica repetir as análises. Não percebi bem o que tinha acontecido, sobretudo porque estava meio adormecida quando fui despertada pelo telemóvel, mas fiquei com a sensação de que o meu sangue não tinha sido suficiente para concluir as análises. Tencionava ir lá ontem depois da fisioterapia, porque gosto de despachar as coisas assim que possível, pegar o touro pelos cornos, dizem, mas estava um pouco cansada - feliz, cansada e ligeiramente aborrecida - e é bom pegar o touro pelos cornos, mas quando nos sentimos prontos para isso.

Fui hoje à clínica e decidi que, já que tinha de ir, ia pelo menos mudar de roupa. Por causa da fisioterapia ando sobretudo de calções. São do Benfica, são bonitos, confortáveis e práticos, mas também me fazia falta alguma "normalidade". Fui ao armário e tirei um dos primeiros vestidos ao de cima - verde e branco (não queria um contraste assim tão grande com os calções do meu clube do coração, mas achei piada à situação). Parecia que ouvia a voz da Dona L. a comentar em jeito de piada a cor do meu vestido. Bem gostaria de ouvir, porque já tenho saudades destes meus amigos benfiquistas! A Dona L. podia ser minha avó, mas a idade não é tudo. Quero ser assim cheia de energia quando crescer, como muitos destes meus amigos.

Não tive paciência para trocar a t-shirt branca por outra menos desportiva, mas não achei que ficasse assim tão mal por debaixo do vestido. O verde e branco só é que não podia ser! Hoje era dia de meter um dos meus batons, porque gosto de o fazer. Pensei se devia passar o lápis creme na linha d' água e meter um pouco de rímel e pó compacto, mas depois lembrei-me de que, além de não ter muito jeito, isso implicava ter paciência para perder mais tempo a desmaquilhar-me ao fim do dia. Fiquei-me pelo batom rosa choque, da cor da fita do cabelo, e peguei num perfume de embalagem da mesma cor. Sim, escolhi o perfume pela cor da embalagem... Todavia, sabia que era doce e fresco este Touch of Pink.

Estava eu a preparar-me e a pensar "temos de aproveitar a vida e sorrir a cada dia", quando o telemóvel apitou. No relógio apareceu uma mensagem que me dizia que o Diogo Jota tinha falecido. É sempre um murro no estômago quando alguém morre, mas, quando alguém parte jovem, é difícil não sentir ainda mais a fragilidade desta vida.

É difícil não ter a sombra da morte nos nossos pensamentos, ainda que os noticiários nos pareçam anestesiar de tanta repetição. Lembrei-me do meu propósito de celebrar o dia, celebrar a vida, mesmo com a sombra da morte a pairar nos meus pensamentos. Talvez seja mesmo isto o mais importante... Celebremos a vida que é tão frágil.

Já a caminho da clínica, pensei "Porque raio querem o meu sangue?" Lá me dirigi ao laboratório e toquei à campainha, como me explicaram para fazer. A técnica riu-se da situação, tal como eu. "Então estas análises foram pedidas para a cirurgia, a senhora já foi operada e agora pediu-se a repetição... Mas não é grave porque qualquer coisa que existisse, ia sempre ser vista no dia da operação." Foi simpática. No final disse-me "Bem, vou-lhe pedir para não fazer força, dentro do possível, por causa das canadianas." Ri-me e fiquei a pensar que gosto de pessoas simpáticas e que sabem dar aos outros essa simpatia até em pequenos detalhes.

Hora de voltar a casa. Chamei outro TVDE e esperei que desta vez corresse um pouco melhor. À ida, o motorista parou no outro lado da rua sem perceber onde eu estava e tive dificuldades em conseguir fazer algum sinal ou entrar em contacto pelo telemóvel. Podiam criar uma opção na aplicação que permitisse que o passageiro assinalasse que está condicionado e não se consegue deslocar com facilidade. (Se já existir, peço desculpa pela minha ignorância.) Há uns tempos, ainda antes da operação, chamei um Uber. Não andava de canadianas como agora, mas estava coxa e não conseguia andar rápido. O motorista parou também do outro lado da rua, eu tentei fazer sinal e fui à passadeira para atravessar a estrada. O motorista ainda lá estava quando eu comecei a atravessar a estrada, mas deve ter-se cansado de esperar ou nem percebeu que era eu que tinha pedido a viagem e foi à vida dele enquanto eu estava a terminar de passar a estrada. Foi-se embora e eu fiquei novamente à espera, resignada e frustrada.

O motorista do regresso percebeu que tinha sido eu a pedir a viagem e, ao ver-me de canadianas, quis ajudar e abriu-me a porta. Pediu desculpa por falar pouco Português e questionou-me se falava Inglês para me perguntar depois o que tinha acontecido. Expliquei que foi uma queda, à saída do trabalho, mas que agora há-de melhorar.

Com o carro parado nos semáforos, em Sete Rios, olhei ao longe, para a Estrada de Benfica onde tantas vezes me encontrei para almoçar com os meus amigos benfiquistas. Parece-me tudo na mesma, eu é que mudei. Lembrei-me do Livro do Desassossego - dos livros de contas, do patrão Vasques, da Rua dos Douradores. Nestes meus pensamentos, cheguei a uma espécie de conclusão. Todos nós temos um patrão Vasques, uma Rua dos Douradores... A nossa vida é pautada por repetições, marcos que se mantêm lá, mesmo que outras coisas mudem. Ali ao lado está o Parque Eduardo VII onde tantas vezes me sentei a ler na minha pausa de almoço. Se lá estivesse agora, aposto que o Parque estaria na mesma, só eu mudei. E se o patrão Vasques desaparecer? Teremos sempre a Rua dos Douradores. E se a Rua dos Douradores desaparecer? Teremos sempre aquelas árvores do parque que permanecem intemporais e pelas quais passamos de tempos a tempos. E se essas árvores desaparecerem? Teremos sempre o azul do céu. E se o céu mudar de cor? Haverá sempre uma brisa para nos acariciar. E se não houver mais vento? Sobrarão as palavras? As palavras também se esgotam, também cansam, também se apagam... Será que sobram os pensamentos? Será que existir se resume a esta ideia cartesiana?

Saí junto à passadeira e o senhor despediu-se dizendo "You are very nice and beautiful, and with a good name, Ana." (Sofia, gosto que me chamem Sofia, ou Ana Sofia. Para a família, contudo, serei sempre a Ana.) Agradeci os elogios que me deixaram sem jeito e voltei para casa a pensar se, afinal, o batom rosa choque não teria sido demais.

Acho que alguns pensamentos se perderam durante a viagem. Escrevo agora ao telemóvel e tento não me perder também. Será que nos sobram realmente os pensamentos se tudo o resto desaparecer?

Pensamento do dia #14 (devaneios e memórias soltas)

Sofia
02
Jul25

A memória é uma coisa tramada...

Não me quero gabar, até porque não vejo isso como um grande feito e momentos há em que mais parece uma maldição, mas tenho uma grande memória.

Na escola era a memória fotográfica que me fazia recordar as páginas do caderno e dos livros e saber quase automaticamente a matéria de que precisava para responder à questão do teste.

No dia-a-dia, recordo-me imenso dos meus sonhos e pesadelos e não sei se é normal lembrar-me de coisas que sonhei com 10 anos ou ter momentos em que a minha cabeça me faz recordar um sonho qualquer que uma vez tive e julguei ficar esquecido. Acreditem, parece mesmo uma maldição porque tenho sonhos muito estranhos. Houve uma altura em que sonhava insistentemente com tsunamis. Era assustador! O último dos sonhos com tsunamis (se a memória não me falha - apesar de muito boa, também acontece) foi menos assustador porque eu já sabia tudo o que tinha de fazer e estava a liderar um grupo de pessoas. Nesse sonhos, escapámos todos ao ir para o ponto mais alto da cidade, onde estava uma igreja. Espero não ter de aplicar na prática estes simulacros da noite.

O mais estranho tsunami com que sonhei foi um tsunami com televisores no meio das ondas - tentei encontrar uma explicação e convenci-me de que era por ter começado a trabalhar na linha de apoio ao cliente de uma empresa de venda de electrodomésticos. A minha mente já estava tão farta de televisores de X, Y, Z polegadas... Na realidade, esse trabalho não começou nada bem. Primeiro porque acabei a fazer uma coisa para a qual não me tinha candidatado - fui excluída de um processo sem poder mostrar o que valia. Depois, foi a pior linha de apoio ao cliente em que trabalhei - as chamadas não paravam e os clientes, por causa dos electrodomésticos, transformavam-se em autênticos mafarricos. Num mês senti-me sugada e parecia um martírio levantar-me para ir trabalhar. Um dia auditaram-me uma chamada e escreveram que a assistente não tinha um sorriso na voz, parecia triste em chamada. Era tão verdade... Decidi abandonar a formação no dia em que ia assinar contrato e não querer saber do dinheiro que ia perder. Voltei a dar ar de maluca aos olhos dos outros, como já me aconteceu noutras situações. Como precisavam de alguém para ajudar na área de backoffice da equipa de vendas de telecomunicações e como eu tinha experiência em telecomunicações e backoffice, não precisei de desistir. Foi uma lufada de ar fresco e, mesmo não sendo uma mudança imediata, consegui aguentar aquela linha de apoio até sair de lá de vez. Quando dei por mim, fiquei praticamente sem colegas na equipa de vendas e proactivamente comecei a contactar os clientes que pediam contactos. Não nasci para ser vendedora, mas gostei imenso de o ter feito porque não estava a impingir serviços a ninguém - os clientes é que queriam ser esclarecidos e até fazer uma adesão. Acho que tive alguma sorte, pois pude fazer aquilo que acho que deve ser feito numa venda - esclarecer e ajudar, sem subterfúgios. O destino e a minha força (que eu pensava que tinha sido sugada), encarregaram-se de me fazer ver que sou capaz de mais. Quando fui excluída de um processo sem poder mostrar o que valia, a desistência de algumas pessoas e a minha falta de experiência em vendas foi o que levou à tomada da decisão. Se só precisavam de 3, não valia a pena começarem com 4. Faz sentido, mas foi um soco no estômago. Levei talvez um pouco demasiado a sério a situação, pois disse a mim mesma que iria ganhar experiência em vendas se a oportunidade surgisse - apenas para provar a mim mesma que também sou capaz, sem precisar de provar nada a ninguém.

Recordo-me de tantas coisas, mas continuo a não me recordar de certas coisas da minha adolescência. Acho que fiz por esquecer alguns anos e o sabor dos livros nas minhas mãos são as maiores recordações que tenho, porque eram o meu refúgio, o meu templo, como disse no post anterior. Não me esqueço também do grupo de teatro da escola e da professora Maria Clara que me marcou profundamente. E da professora Maria José das aulas de Francês. Na realidade lembro-me de muitas pessoas e nomes. Também não sei se é muito normal. Já cheguei a fingir não me lembrar de tantas coisas, de tantos detalhes, porque parece-me uma ligeira aberração e não quero assustar os outros. Por exemplo, há uns meses atendi um cliente no meu trabalho e reconheci a cara e o nome - era filho da pessoa que nos tinha vendido a casa. Só tinha visto o rapaz no dia da escritura e provavelmente só ouvi o nome dele uma vez, mas reconheci-o.

Na minha estante tenho uma edição do Cândido ou O Optimismo de Voltaire. Na primeira página está escrita uma dedicatória dos professores de Francês por ter ganho um concurso de tradução, mas eu não me lembro de ter participado em nada. Recordo-me de que, numa aula, a professora anunciou o resultado e deu-me este livro como primeiro prémio. Um outro colega recebeu outro livro por ter ficado em 2º lugar. Ainda assim, eu não me lembro do raio da tradução que fiz! Quero acreditar que participámos no concurso através de algum exercício feito em aula. Talvez, num momento de desatenção, me tenha escapado o pormenor de estar a participar num concurso de tradução... Fica difícil de imaginar porque eu estava sempre muito atenta. A minha capacidade de atenção era tão boa que ficava muitas vezes ao lado do aluno mais problemático. Mesmo com um colega de carteira falador e que gostava de me mostrar as ganzas que tinha no bolso para fumar, a minha atenção à aula não se perdia, nem sei bem como. As memórias, algumas perderam-se, mas ficam detalhes de coisas simples, como o colega falador, os livros que eu pousava na mesa para ler antes da aula começar, as noites de insónias porque não conseguia desligar do sentimento de incompreensão...

Não me recordo do concurso de tradução, mas recordo-me do concurso de escrita em que participei e ainda tenho o diploma guardado. Lembro-me do texto que escrevi e tenho pena de o ter rasgado e apagado num dos meus muitos momentos de dúvida. O texto começava assim: Comia uma maçã enquanto pensava na fragilidade da vida e em como gostaria de ser a Branca de Neve. Lembro-me vagamente do que tinha escrito. Veludo, era veludo! Já próximo do fim, aparecia alguém a bater à porta - era a vizinha que vinha pedir um niquinho de sal para fazer o jantar. Não me recordo se os dois amantes a ouviam ou não. Gostei do que tinha escrito, mas cometi o erro de apagar tudo numa das vezes em que disse a mim mesma que não voltaria a escrever. Que melodramática! O texto valeu-me o 1º lugar e uma amiga minha da época ficou em 2º ou 3º lugar. Fui receber o prémio, mas sempre fui tímida e sem jeito para lidar com pessoas. Naquele tempo ainda era pior. Aquela exposição era ensurdecedora e eu não ouvia nada, a não ser o meu nome a ser chamado. Deram-me os parabéns e um diploma. Olhei para o diploma e fiquei com cara de enterro, umas valentes trombas possivelmente registadas numa fotografia dos vencedores. Nisto, a minha amiga diz-me algo como "Parabéns! 1º lugar, muito bem!" Olhei de novo para o diploma e aquilo que me tinha parecido um 3 era, afinal, um 1. Senti-me estúpida pela cara de enterro, mas ainda fui a tempo de saborear um pouco aquele momento e sorrir. É impossível não me rir desta situação. Já se passaram tantos anos que isto passou a ter imensa piada.

Há páginas que não devo conseguir recuperar. Quero agora gravar ao máximo as minhas novas memórias, inscrevê-las na pele e, acima de tudo, lembrar-me de que a escrita faz parte do que sou e que não a posso negar.