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a world in a grain of sand

um mundo num grão de areia

a world in a grain of sand

Pensamento do Dia #10

Sofia
31
Jul21

Não sei se me quero casar num vestido comprido até aos pés ou até num típico vestido de noiva branco. Não acho piada à ideia da noiva se andar a preocupar com a escolha de um par de sapatos para depois andarem escondidos por baixo do vestido... Por outro lado, chateia-me um pouco pensar em comprar um vestido para só o usar no meu casamento. É verdade que já me aconteceu comprar um vestido que só usei uma vez e que isso nem me chateou. Há amores assim, à primeira vista. Chateou-me mais quando no auge da minha adolescência decidi comprar um vestido de veludo preto e roxo de estilo medieval e fiquei muito infeliz quando percebi que a minha escolha arrojada não seria apropriada para o dia-a-dia. Por muita coragem que tivesse para ir para a escola de botas de biqueira de aço e pulseiras com picos e correntes, não tinha coragem para usar o vestido... Usei-o duas vezes. Era Carnaval. Segundo a minha mãe, cheguei a casa chateada e disse que ninguém me percebida porque julgavam que aquilo era uma máscara. Os dramas dos adolescentes! Agora subi de nível, já estou no nível dos dramas das noivas. Já ouvi dizer que a escolha do vestido também funciona como uma espécie de amor à primeira vista, mas há uma parte de mim que não está a aceitar bem a ideia de vir a ter o meu vestido de casamento guardado com muita estima no meu guarda-vestidos. Conhecendo-me como me conheço, se gostar assim tanto do vestido, vou querer usá-lo até à exaustão, até que vire um lindo farrapo para o qual vou olhar e pensar "Fizeste-me muito feliz! Tenho tantas memórias! Foram tantos dias especiais em que estiveste presente! Vais ser sempre recordado como O vestido! Um de muitos, é certo, mas fazes parte dos eleitos que escolhi para me acompanharem em grandes momentos."

Visita à Tapada de Mafra

Sofia
31
Jul21

Estar noiva deixa-me com os nervos à flor da pele, mesmo que tenhamos decidido casar só daqui a uns dois anos. Dois anos não são nada numa altura em que parece que o tempo corre mais rápido, apesar de sentirmos que os nossos dias estão mais vazios do que dantes. Já saímos mais de casa, mas com o teletrabalho nunca se sai tanto como se saía e os dias tornam-se muito repetitivos. Embora o teletrabalho dê muito jeito e seja melhor em alguns aspectos, sair para trabalhar também tinha coisas boas. Os transportes públicos eram uma chatice, mas continuava a adorar comboios. Sempre me senti fascinada pelos comboios e gostava de um dia fazer uma grande viagem de comboio! Claro que no dia-a-dia os comboios têm alguns problemas que nos fazem rogar algumas pragas... Ainda assim, sair para trabalhar era estar mais exposta ao imprevisto e acho isso fascinante. O imprevisto tanto pode ser bom como mau, mas enche-nos os dias. Não é molhar o pezinho na água para ver se está fria, é mergulhar e depois sentir o frio.

 

Há uns tempos estivemos de férias e decidimos ir a Mafra no fim-de-semana. A pandemia apareceu e eu tinha um voucher do Odisseias por usar e já quase a expirar... Lá ganhámos coragem para passar uma noite fora de casa. Fez-nos bem. Soube a pouco e ao mesmo tempo foi muito. Precisávamos de uma lufada de ar fresco. Lufada? Qual lufada! Nós precisávamos de uma verdadeira ventania! Como não quisemos ir para muito longe, Mafra pareceu-nos uma boa opção porque poderíamos visitar a Tapada de Mafra. Já lá tínhamos estado em visitas de estudo, mas nenhum dos dois trouxe grandes memórias de lá porque as visitas pela escola não são feitas do mesmo modo que as visitas que fazemos por vontade própria.

Devido à pandemia, a Tapada de Mafra tem vários horários para os seus percursos e os bilhetes estão disponíveis para compra através do site. Foi fácil escolher um percurso e programar a nossa visita. Escolhemos o percurso verde. Fez-me bem percorrer aqueles 8 km em sossego (e com algum cansaço inicial por já não estar habituada e pelo facto de o percurso iniciar com uma subida). Se tínhamos dúvidas se iríamos conseguir ver javalis e gamos, as dúvidas foram dissipadas logo no início do percurso quando encontrámos uma mamã javali com as suas crias.

Como recordação da nossa visita à Tapada de Mafra trouxe um peluche de um javali. Não é tão bonito como os verdadeiros, mas serve-me de consolo. Quando era criança, queria muito um peluche de um javali por causa do filme d'O Rei Leão. Eu e a minha irmã dizíamos que éramos o Timon e o Pumba (por causa da magreza e pequenez da minha irmã e do meu peso um pouco excessivo) e queríamos muito ter uns peluches da dupla, mas nunca conseguimos encontrar um peluche do Pumba. A minha mãe foi connosco ao Colombo e procurámos insistentemente, mas sem sucesso, um peluche para a nossa colecção. Na altura, ir ao Colombo pareceu-nos uma coisa muito futurista. Nunca tínhamos visto um sítio tão grande e acreditávamos que por ser algo tão grande e recente iria ter o que procurávamos, porque uma coisa assim estava além da nossa imaginação da realidade. Como sabemos, a imaginação das crianças estende-se até ao infinito e mais além! (Já que estamos a falar da Disney e das recordações da minha infância, achei que esta frase ficava bem aqui. ) Uma imaginação tão grande proporciona-nos às vezes alguns dissabores, pois a realidade fica aquém daquilo que imaginamos. A ida ao Colombo para procurar um peluche do Pumba serviu-me de lição. Aprende-se desde pequeno que a realidade não é o que queremos ou o que parece. Depois há aqueles casos em que a realidade é mesmo bela e supera a imaginação, como os javalis e os gamos que vi ou as montanhas, vales, praias e outras formações maravilhosas que encontramos pelo mundo fora. Isso vale a pena e dá-nos fôlego!

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Um poema para cada mês - Fevereiro 2021

Sofia
02
Jan21

Fevereiro... O mês dos apaixonados... Mas, para quem está apaixonado, todos os meses são meses de paixão. Pegando nesta pequena ideia, porque precisava de algum tema para tornar o processo de escolha mais simples, decidi que iria partilhar um poema sobre o amor/paixão. Mesmo assim, não foi uma tarefa fácil. Afinal, este é um tema amplamente explorado e que faz o mundo girar.

Coloquei logo de parte o Romeu e Julieta, porque, apesar da escrita, na minha memória, associo-o sempre à paixão irracional que nos impede de sermos livres e nos traz sofrimento. Na minha opinião, não é o melhor exemplo para se falar da beleza do amor, ainda que seja um símbolo universal. Quanto à paixão, prefiro algo mais simples.

Pensei, então, em belos poemas sobre o amor e também sobre o desejo e, dentro de mim, destacou-se logo o nome de um poeta (na realidade é um pseudónimo): Eugénio de Andrade. Descobri-o nas aulas de Português quando tinha 15 anos e senti-me logo ligada às suas palavras. A idade trouxe-me a capacidade de as compreender melhor e os seus poemas ganharam um novo sabor. Tornou-se um dos meus poetas de eleição, apesar de ainda ter muito para ler e descobrir (como ainda não o tenho na minha estante, a antologia poética editada há poucos anos pela Assírio & Alvim, Poesia, é uma excelente prenda... pode ser em ebook, já que não sou esquisita e recebi um Kobo no Natal). Julgava que a minha busca por um poema simples sobre o amor ficaria por aqui. Parecia-me bem começar já a incluir poemas na nossa bela língua portuguesa, uma vez que comecei estas partilhas com um poema em inglês, ainda assim acabei por não me decidir. Na minha cabeça tilintavam as palavras de e. e. cummings nas quais pensei inicialmente... Contudo, queria algo mais simples que, nessa simplicidade, guardasse todo um universo. Deste modo, após ler e reler vários poemas, lembrei-me do que procurava. Deixo-vos assim um poema simples e belo. É assim que quero o amor, simples e belo, mas imenso e capaz assumir várias formas.

 

¿Qué es poesía?, dices mientras clavas

en mi pupila tu pupila azul.

¡Que es poesía!, Y tú me lo preguntas?

Poesía... eres tú.

 

Gustavo Adolfo Bécquer

Voz de adolescente

Sofia
15
Ago20

aqui escrevi que a minha relação com a escrita foi em tempos muito conturbada e que muito do que escrevi no passado desapareceu (foi para o lixo - reciclagem - ou para lareira, quando estava armada em drama queen).

Desses tempos e escritos, restam-me apenas memórias. Ontem, tentei recuperar pequenas coisas que escrevi e que a minha boa memória decidiu reter (acho que as rimas ajudaram, se fosse com os poemas mais recentes não sei se a boa memória bastava). Não sei se fiz bem, porque desenterrei algumas coisas menos boas. Mas recuperei 3 poemas que não me trazem assim tão más recordações e que me permitem ver o meu percurso. Os poemas e pedaços de poemas que trazem recordação menos boas também me permitem ver o meu percurso. Estes casos até me permitem ver melhor o quanto cresci e o quão forte me tornei! Tratam-se de questões muito mais profundas do que a escrita. São questões sobre quem eu sou, sobre o amor-próprio, sobre o amor, sobre o sentido de tudo e o meu lugar no mundo...

É quase certo que o que aqui deixo não estará completamente idêntico ao original desaparecido, mas esta era a Ana Sofia de há mais de 10 anos, a Ana Sofia com cerca de 17/18 anos... Uma sonhadora tristemente inconformada e revoltada com a realidade... Não era tudo mau, mas a minha cabeça era um lugar terrível naqueles tempos. Fui a uma psicóloga, mas não correu bem. Há bons e maus profissionais em todas as áreas e eu não consegui ver naquela psicóloga vontade de me ajudar. Fui lá três vezes e depois fartei-me, porque senti que aquela pessoa só queria saber do dinheiro que a minha mãe pagava... Ainda assim, as três consultas tiveram um efeito positivo. (Se calhar era mesmo assim, uma terapia cognitivo-comportamental de choque, de efeito rápido.) Como tinha decidido procurar ajuda porque sabia que não estava bem e a ajuda que tive apenas me deixou furiosa, percebi que eu teria de ser a minha própria ajuda e que teria de arranjar forças mesmo que parecesse impossível. Também percebi que tinha um amor aos livros maior do que imaginava. Quando a psicóloga me sugeria ler a Bíblia e ir à missa em vez de ler Fernando Pessoa ou Al Berto, na minha cabeça eu mostrava-lhe um manguito mental. (Ainda por cima sugeriu-me isto numa altura em que eu me sentia extremamente indignada com a religião...) Ela não percebia, certamente, mas eu sabia que aquelas palavras eram o meu alento naquela tempestade e que não as podia deixar de parte. Compreendo que, quando estamos mal, é preciso ter cuidado com algumas coisas que podem ajudar a perpetuar esse nosso estado. Contudo, hoje percebo que não era isso que acontecia quando lia O Livro do Desassossego ou O Medo. Foram precisos alguns anos para perceber melhor o que aconteceu e reconciliar-me com alguns livros. Como os descobri na pior fase da minha vida, passei a associá-los àquele período e, durante algum tempo, não lhes quis pegar. Abominei a ideia da psicóloga, mas a minha cabeça fez uma terrível associação que teve de ser desfeita com o tempo. O tempo, como dizem, cura tudo. Não foi só o tempo. Contudo, o tempo foi essencial. Hoje apercebo-me de que aqueles livros me traziam momentos de felicidade no meio do desespero e que foi graças a eles que me aguentei. Senti-me compreendida nas palavras dos outros e percebi que o mundo era um lugar estranho e intenso tanto para mim como para outros. Redescobri também a beleza do mundo e acalmei o meu coração-esponja.

Não vou partilhar as coisas que me lembram mais o que é mau do que o que é bom, mas deixo-vos três poemas que escrevi quando era ainda uma jovem à procura da sua voz. O primeiro é o mais recente dos três, acho eu, e até tenho um certo carinho por ele.

 

Bailarina de Palavras

Sou uma bailarina de palavras 

Eu não danço com os meus pés 

Danço com o meu coração 

Danço com as palavras 

Danço por paixão 

 

A música que me faz dançar 

Não é de Tchaikovsky 

Ou de outro grande compositor 

São as estrelas a brilhar 

São as árvores a abanar 

 

Mas eu e a menina de rosa 

Temos algo em comum 

Ambas dançamos com alma 

Ambas sabemos sonhar 

Elevamo-nos até onde podemos 

Amor em tudo o que fazemos 

 

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Estavam rosas de papel esquecidas no teu estendal. 

Sacudi-as, pois até parecia mal! 

Mas passou uma andorinha e levou consigo 

uma flor que não era minha... 

E se ela te fosse entregar a flor que eu ousei maltratar? 

 

A Primavera passou, mas a andorinha voltou. 

Voltou para te entregar o que eu tentara esconder 

com medo de te perder. 

 

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E eu aqui perdida na rua 

Solto alta a voz que ecoa 

E eu aqui à beira do rio 

Sorrio perdida no meu desvario 

 

A voz que sai do meu peito 

É pequena e já sem proveito 

Mas eu canto com as estrelas do céu 

Que me beijam a face e me cobrem o véu 

 

O altar é longe daqui 

Sinto ardor quando estou a andar 

Cada passo é uma pedra 

Que queima no chão e fere a pegada 

 

Faça a fineza de lhe devolver o coração, Don Juan modernizado 

A menina precisa dele! 

 

Ana Sofia Alves

Da minha estante para o mundo #3

Sofia
30
Jul20

Tarrou avait perdu la partie, comme il disait. Mais lui, Rieux, qu’avait-il gagné? Il avait seulement gagné d’avoir connu la peste et de s’en souvenir, d’avoir connu l’amitié et de s’en souvenir, de connaître la tendresse et de devoir un jour s’en souvenir. Tout ce que l’homme pouvait gagner au jeu de la peste et de la vie, c’était la connaissance et la mémoire.

Albert Camus, La Peste

 

Os últimos tempos têm sido uma realidade alternativa que ninguém está à espera de viver. De repente, o mundo vive em conjunto um momento difícil. Individualmente e colectivamente vamos reagindo aos acontecimentos. Os dias vão passando de forma estranha porque temos de nos adaptar a uma realidade nova.
Tento pensar na História e como sempre a achei cíclica. Penso também na Literatura e em livros que já li. Os acontecimentos vão-se desenrolando, a nossa vida muda e adapta-se às novas situações. Um dia tudo passou e resta-nos esta memória individual e colectiva onde conhecemos o pior mas também o melhor que temos como humanos. Sabemos também pela História e pelas histórias que haverá dificuldades e perdas, mas resta-nos continuar e pensar que um dia tudo passou.
 
Dans certains cas, continuer, seulement continuer, voilà ce qui est surhumain.
Albert Camus, La Chute
 
As palavras não são de hoje, foram escritas há alguns meses, mas quis partilhá-las convosco e desejar-vos força, não só neste pedaço de história colectiva como também nas vossas histórias individuais. Porque é preciso continuar. Há momentos em que o importante é continuar.