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a world in a grain of sand

um mundo num grão de areia

a world in a grain of sand

um mundo num grão de areia

Silêncio Estelar

Sofia
14
Jul25

Se a noite cair e nos deixar na escuridão,

que os meus olhos se abram aos astros

e eu possa colher dentro de mim a luz.

Espero que ela pouse nos meus olhos

lentamente como um véu aceso e leve.

Que os meus olhos se abram aos astros

e o meu rio seja móvel como o tempo.

Daremos as mãos e os pés e os olhos.

Daremos beijos pálidos como a poeira

estelar. Seremos sonhos audíveis nos

mais baixos decibéis. Cala-se a voz

que deposito nos meus dedos e eu sei

que nunca precisei dela para falar.

 

Ana Sofia Alves

14 de Julho de 2025

 

Whistler-Nocturne_in_black_and_gold.jpg

Nocturne in Black and Gold – The Falling Rocket, James McNeill Whistler

(imagem: Wikipedia)

Pensamento do dia #16

Sofia
05
Jul25

A_Persistência_da_Memória.jpg

A Persistência da Memória, Salvador Dalí

(imagem: Wikipedia)

 

A única vez em que me lembro de ter sentido medo de morrer foi a meio da noite, quando, há poucos anos, acordei com um ataque de pânico.

Não me lembro de ter sonhado nem me lembro de andar às voltas na cama. Lembro-me de acordar, sem aviso, com o coração a sair do peito ou da boca, completamente acelerado, e uma sensação de falta de ar que nunca tinha sentido.

Nunca tinha sentido algo assim, o corpo incontrolado e a querer levar-me sabe-se lá para onde. Senti que era um alerta grave, mas levantei-me e fiz por chegar à casa-de-banho. Comecei a sentir imensas tonturas, fraqueza e, pouco depois, imensos suores frios. Pensei que estava a ter um ataque cardíaco, que só podia ser isso, pois nunca tinha sentido algo assim tão forte. Não conseguia pensar direito e chamei pelo meu namorado que, adormecido, não percebeu nada do que se passava e me disse para molhar a cara. Tentei respirar fundo e molhar a cara. Não foi fácil, mas, como o problema não era fatal, embora o parecesse, foi possível voltar a mim.

A sensação de tempo, neste episódio, é estranha. Creio que foi tudo muito rápido e, ao mesmo tempo, bastante lento. Sei que tive medo de morrer e que me queria agarrar à vida.

Não foi nada, mas ficou-me na memória. Não se repetiu, mas a persistência da memória serve para lembrar os momentos e recordar-me de que é bom querermos agarrar a vida, mesmo no meio do absurdo. Temos esta capacidade louca de agarrar a vida, reconstruir e adaptar. Espanta-me sempre essa capacidade do ser humano que, mesmo em adversidades, tem esta capacidade louca de se reconstruir de corpo e alma.

Na época estava a trabalhar imenso e as enxaquecas eram frequentes e fortes. As enxaquecas não desapareceram e, mesmo depois da mudança de trabalho, tive alguns episódios em que tive de mergulhar no silêncio e escuridão do quarto e suportar os vómitos. (Talvez seja a náusea pela monotonia.) Gostava de pensar como a médica que me atendeu um dia: "Enxaquecas vai ter sempre: é ter a medicação à mão." Fosse tudo simples como esta frase.

Prefiro antes as palavras de Miguel Torga* e agarrar-me à persistência das memórias e à minha loucura:

És homem, não te esqueças!

Só é tua a loucura

Onde, com lucidez, te reconheças...

 

* poema "Sísifo"

Esculpir um poema

Sofia
01
Jul25

Pedi-lhe que pintasse um poema

e ele pegou nas minhas palavras,

espalhou-as na sua paleta de cor

e foi pincelando a tela com ondas,

búzios e espirais.

 

É um poema de Verão, disse-me.

Toca aqui com a tua mão. Sente.

Tens razão. Não mente. Sorri-lhe.

Não tinha avisado que o mar é sal

e o poema também é fel.

 

E se esculpíssemos este poema?

Agarrou na dor salgada e

nas conchas partidas onde os pés

repousavam. Deitou-me a alma nas

ondas, partiu os grilhões e no centro,

bem no centro,

pousou um coração, rodeado de

espuma.

Pegou no martelo e no escopro

e abriu o meu coração em dois.

Do meio saiu um bando de borboletas.

 

Ana Sofia Alves

1 de Julho de 2025

 

Quero as horas salgadas que me prometeram ao nascer

Sofia
15
Mai21

Triumph Of Achilles, Franz Von Matsch

Triumph of Achilles, Franz von Matsch

(imagem: Wikipedia)

 

Quero as horas salgadas que me prometeram ao nascer

O Verão fresco e soalheiro da vida de um Homem

Os corpos nus como anémonas no mar, despidos

de temores, cheios de cores, vibrantes e triunfantes

Quero o fundo do mar e o mar sem fundo à vista

e um corpo que não desista e não se queira afundar

Quero um baú de histórias no fundo do fim do mundo

A sorte de ter memórias e de as poder ouvir cantar

As verdadeiras glórias que só um herói pode alcançar

 

Ana Sofia Alves

15 de Maio de 2021

Cadências

Sofia
09
Out20

Noite Estrelada Sobre o Ródano

Noite Estrelada Sobre o Ródano, Vincent van Gogh

(imagem da Wikipedia)

 

Trazes no teu sorriso a música de cada dia.

Perdemo-nos nas notas que sobem no ar, 

que passam os prédios, 

que chegam às árvores, 

que pousam junto da lua. 

Deslizamos os dedos pelo ar, 

agarramos as colcheias e abraçamo-nos 

numa pausa, num segundo que se faz eterno. 

Os olhos ardem ao luar, 

a música não se quer calar, 

os corpos vestem-se de cadências. 

Escrevemos histórias sem palavras, 

as mãos vibram e o ar fica mais pesado 

enquanto nos despojamos do nosso passado. 

A música enche-nos os copos quase vazios, 

gravamos memórias sonoras e esquecemos as horas. 

 

Ana Sofia Alves

9 de Outubro de 2020